A árvore (intelectual) da ciência do bem e do mal: Conduta negativamente integrada

Tempo de leitura: menos de 1 minuto

Livro Teoria da História  (Art. 18, 2.2.6., p. 118-124) www.tribodossantos.com.br

   O intelectual (árvore) do tipo ideólogo elabora e opera, basicamente, com ideologias dualistas (ciência do bem e do mal), mas apresenta outras características igualmente relevantes. Ele exerce, também, a função de liderança política, sobretudo através da indução ideológica (“oratória”: discurso falseado, mas poderosamente sedutor), com a qual, opera sobre os indivíduos de “senso” comum (erva) e respectivos segmentos sociais.

    A forma material de existência do ideólogo-feiticeiro (“árvore-serpente”) apresenta, notadamente, dois aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, ele manifesta aversão em exercer trabalho material (predatório, produtivo, etc.) e pelas pessoas que os executam. Por este viés, o ideólogo-feiticeiro tende a se isolar ou manter um relativo distanciamento em relação à coletividade. Em segundo lugar, ele concentra todos os seus esforços objetivos e subjetivos, para se eximir de exercer trabalho material. E, obter tempo necessário, para elaborar discursos, encenações falseadas e estratégias ideológicas voltadas para enganar, induzir e submeter, ideologicamente, as pessoas de senso comum (“ervas”), que exercem trabalho material e serviços práticos. Cujo objetivo é subtrair dessas pessoas o sustento para ele. Assim, o ideólogo-feiticeiro desenvolve a divisão social do trabalho material e intelectual.

    Em toda época e lugar, o ideólogo inventa divindades, religiões e ocasiões cerimoniais. E, ele se apresenta, falsamente, como representante e intermediário entre a divindade, e, cada indivíduo e a coletividade. Assim, o ideólogo procura negociar, essa sua suposta posição privilegiada (intermediário da divindade), com os indivíduos, oferecendo-lhes favores (graças) imaginários, e destes recebendo, privilegiadamente, em troca, valores, alimentos, utensílios, favores, etc., para seu sustento. Assim, ele atua sempre buscando se transformar em elite, ou seja, atua induzindo o desenvolvimento ou manutenção da estratificação social, e se posicionar no estrato superior, ou ao menos entre este e a base social constituída dos trabalhadores.

    A principal estratégia ideológica elaborada e exercida pelo ideólogo é exaltar as divergências e os conflitos realmente existentes, e também conflitos e divergências imaginários, os quais ele próprio inventa e induz as pessoas crerem nessa invenção. Neste sentido, o ideólogo-feiticeiro atua em diametral oposição ao chefe tribal (“árvore da vida”), numa formação social ainda simples, comunal e na qual a divisão social do trabalho material e intelectual ainda não se desenvolveu: “jardim do Éden”. Enfim, o ideólogo-feiticeiro elabora e procura inculcar, nos indivíduos e respectivos grupos sociais, todo tipo de dualismo, a fim de moldar condutas, controlar, mobilizar e explorar os indivíduos e a coletividade.

    O elaborador da Teoria da história qualificou o intelectual do tipo ideólogo-feiticeiro, com o atributo “ciência do bem e do mal” por três motivos.

    Em primeiro lugar, em razão do conhecimento que o ideólogo tinha, intuitivamente, a respeito do efeito que a tipologia dualista (pares de opostos) pode exercer na moldagem da conduta de cada indivíduo, no qual tal tipologia seja inculcada na instância do imaginário do processo do pensamento. Pois,o indivíduo tende a apresentar o modo de pensar, imaginar e representar segundo a lógica binariamente, isto é, através de pares de oposto e das correlações, das exclusões e das inclusões, das compatibilidades e das incompatibilidades. Neste sentido, Lévi-Strauss esclarece alguns aspectos, cita e comenta Radcliffe-Brown e Durkheim. Assim, no processo psicológico elementar, o indivíduo afirma sua identidade, à medida que nega a do outro, com o qual esteja estabelecendo interação significativa, e vice-versa. Isto ocorre em relação a qualquer tema, que esteja em discussão, sejam lógicos ou não os argumentos. Quanto mais fragilizado psiquicamente esteja o indivíduo, mais arraigadamente ele se comportará desse modo.  Desse modo, as tipologias dualistas que o ideólogo-feiticeiro elabora adequa-se  plenamente a esse modo de pensar. E, as tipologias dualista que o ideólogo conseguir inculcar nos indivíduos, produzirá respectivas divisões e oposições, nas interações significativas bilaterais e multilaterais entre esses indivíduos.

    Em segundo lugar, em razão do ideólogo ter como principal estratégia ideológica, elaborar e inculcar tipologias dualísticas (dualismos), nos indivíduos e grupos sociais, como meios para moldar condutas, dominar e explorá-los.

     Em terceiro lugar, e este é o motivo fundamental, em razão dos procedimentos que acima indicamos e atribuímos ao ideólogo, procedimentos esses que são resultantes do singular tipo de conjunto complexo de conduta peculiar a esse papel social. Tipo este que aqui definimos como conjunto complexo de conduta integrado negativamentehipócrita, ou dualista.

   Não consideramos que esse tipo de conjunto complexo de conduta seja inintegrado, posto que nele ocorre efetivamente integração. Pois, o ideólogo tem plena consciência, que o seu campo subjetivo e motivado da conduta se encontra sob a predominância de sentimentos de ordem odiosa e respectivos valores egotistas, e que esse campo motiva respectiva modalidade de conduta objetiva. Mas, o ideólogo dissimula, consciente e deliberadamente, tanto essa sua forma de integração (entre esses seus dois campos de conduta) como a natureza odiosa pertinente a cada um dos dois campos. Ele tem consciência que precisa proceder, como meio, essa dissimulação. Caso contrário, não alcançaria seu fim ou meta, que é enganar, submeter e explorar aqueles que trabalham. Ou seja, o campo subjetivo encontra-se sob a predominância de sentimentos de ordem odiosa, os quais condicionam valores egotistas. Os sentimentos e valores assim articulados entre si condicionam os demais fatores subjetivos: todo processo cognitivo (linhas lógicas de raciocínio de caráter binário, que corresponde à respectiva modalidade de entendimento e de conhecimento), a intencionalidade e a vontade. Assim, esse tipo de campo subjetivo motiva o campo objetivo, nas interações significativas, imprimindo ações odiosas, individualistas, voltadas para o proselitismo (exaltação de divisões e oposições), etc.

    O fato notável observado na conduta hipócrita própria do ideólogo, é que a verdadeira natureza odiosa e egoísta do modo como ele entende a realidade e produz conhecimento – é consciente e deliberadamente omitido e dissimulado. Todo esse “entendimento” e “conhecimento” (estratégias ideológicas; o aspecto poderosamente sedutor da forma como elabora e aplica seu discurso falseado e respectivas encenações; etc.) dissimulados é voltado para satisfazer seus interesses objetivos escusos e a respectiva sensação agradável que desfruta ao realizá-los: enganar pessoas; moldar condutas alienadas nos indivíduos e grupos sociais; exercer o poder, dominando ideologicamente; e explorá-los economicamente, e coisas do gênero. Com relação à tentação do exercício do poder, a árvore da vida resiste, ao exemplo do Jesus Histórico. No sentido do PODER, Jesus atuou na direção diametralmente oposta à árvore da ciência do bem e do mal. Assim, ele exerceu e recomendou  o modelo SERVO de liderança.

    Mas, o ideólogo distorce e/ou omite, deliberadamente, a verdadeira natureza de seu entendimento e do conhecimento que produz, e respectivas intenções, ao expô-las nas interações significativas que estabelece com outro ou mais indivíduos. Assim, suas ideologias são falseadas, sempre deliberadamente. Pois, do contrario, ele não enganaria seus interlocutores, Dado que, o ideólogo visa, em última instância, produzir alguma forma de prejuízo aos indivíduos, sobremodo os trabalhadores que constituem a massa da população, e dos quais ele vai subtrair, de alguma forma, valores para o seu sustento. Os segmentos trabalhadores são, em última instância, suas vitimas preferenciais, visto que os ideólogos buscam cooptar, sempre, para si e seus interesses materiais, os indivíduos dotados de predicados políticos, empresariais, técnicos, etc. Eis porque estes tipos de indivíduos e os ideólogos se apresentam aliados entre si, em toda formação social estratificada, ocupando, de alguma forma, os extratos superiores. Extratos estes que têm como objetivo comum, a dominação e a exploração econômica dos seguimentos trabalhadores.

    Enfim o discurso ideológico é, sempre, distorcido, de um ou de outro modo, ou ainda, de vários modos simultaneamente. Ele pode ser invertido, falseado em alguns aspectos e não em outro, totalmente fantasmagórico, etc. O discurso ideológico sempre é, simplificando, mentiroso, embora possa produzir “efeito de verdade e de realidade (Foucault).[1]

   O discurso ideológico tem que ser, entretanto, poderosamente sedutor, para ser convincente, e induzir o entendimento da sua vitima, para fazê-la acreditar numa argumentação que não corresponde à realidade ou veracidade dos fatos. Com essa finalidade, o ideólogo mascara tanto sua forma material de existência como os demais aspectos que precisa abordar, eventualmente, nas interações significativas. Ele mascara-os como argumentações e encenações que aparentam ser, aos “olhos” (entendimento) do observador, bom para ser “comido” (assimilado), e de “aspecto agradável e mui apropriado para abrir a inteligência” (Cf Gn 3, 6), a exemplo da argumentação falsa que o ideólogo-feiticeiro apresentara às primeiras mulheres agricultoras, no inicio do período Neolítico.

    O próprio Jesus Histórico constatou, a respeito do papel social de ideólogo, o fato do tipo hipócrita ou dualista de conjunto complexo de conduta ser integrado, mas de modo negativo e sui generis. Ou seja, o sujeito ideólogo dissimula, deliberadamente, isto é mentirosamente, tanto seu campo subjetivo (interior) odioso como seu campo objetivo (exterior), Campo objetivo este que pode ser pensado, como o tipo de forma material de existência “cheia de rapina”, ou seja, caracterizada por mostrar interesses escusos. Neste sentido, o Mestre expôs, criticamente, conforme mostra suas observações, a forma de integração negativa própria do conjunto complexo de conduta dos ideólogos hegemônicos, contra os quais combatera (Mt 23, 24-28):

    “Condutores cegos, que coais o mosquito e engolis o camelo! Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, que limpais o exterior do copo e do prato, mas por dentro estais cheios de rapina e de intemperança! Fariseu cego, limpa primeiro o interior do copo e do prato, para que também o exterior fique limpo!”

    Vejamos Jesus considerar que os ideólogos são, deliberada e propriamente, mentirosos (Jo 8, 43-37):

    “Por que não reconheceis minha linguagem? É porque não podeis escutar minha palavra. Vos sois do diabo, vosso pai, e quereis realizar os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade, porque nele não há verdade: quando ele mente, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira (o grifo é nosso). Mas, porque digo a verdade, não credes em mim (…) quem é de Deus houve as palavras de Deus; por isso não ouvis: porque não sois de Deus”.

    O Mestre fez diversas outras observações, que mostram os aspectos mentirosos dos discursos e doutrinas elaborados e proferidos ou escritos por intelectuais ideólogos (Cf. Mt 15, 9; 16, 6-12; 23, 2-4, 27-28).

    Jesus mostra que a forma negativa de integração do conjunto complexo de conduta do ideólogo é, notadamente, marcada por ser deliberadamente dissimuladora, isto é, mentirosa. Ele alude à Teoria da Historia e mostra, ainda, que esta formula deliberada de mentira já era observada nos discursos e encenações dos primeiros precursores ou “pais” de todos os ideólogos.

   Em primeiro lugar, a mentira deliberada apareceu no ideólogo-feiticeiro (sacerdote ou árvore-serpente) que enganara determinadas mulheres agricultoras, induzindo-as a assimilarem o “fruto” (conduta objetiva) do próprio ideólogo-feiticeiro.

   Em segundo lugar, ela apareceu nos “sacerdotes hegemônicos” (“frutos da terra”; Cf. Gn 4, 3) e aliados aos “primeiros grupos de lavradores proprietários agrícolas” (“Caim”: Símbolo que representa a primeira forma de propriedade agrícola). Eis porque o autor lhe atribuiu o nome Caim, que significa “adquirir”, isto é, tornar-se proprietário agrícola.[2] Sacerdotes esses que foram os precursores de todos os ideólogos, e que já eram homicidas dos “profetas”, desde quando se desenvolvera a divisão social do trabalho agrícola (Caim) e pastoril (Abel). Divisão social esta exposta no “4° dia da criação VE, que esta inscrito na “Verificação Empírica, a qual integra a Teoria da História. Tais sacerdotes eram homicidas dos “profetas” (“primogênitos dos rebanhos e das gorduras destes”), pertinentes a “Abel”. Segmento social este que exerce o trabalho pastoril, e que resiste ao desenvolvimento da divisão social do trabalho material e intelectual e da respectiva propriedade privada. Profetas que emergiam no contexto da divisão social do trabalho agrícola (Caim) e pastoril (Abel). Ou melhor, que emergiam no ceio deste último segmento social. Por fim, a propriedade privada constituída de agricultores (Caim), coletivamente unidos entre si, sobre escravos e outras segmentos trabalhadores submissos, estendera-se sobre a forma igualitária, horizontal e fraterna de propriedade existente, então, e que era peculiar à formação social pastoril (Abel). Desse modo, os segmentos sociais proprietários agrícolas “mataram” (eliminaram) a forma igualitária e fraternal de propriedade originalmente própria do segmento social pastoril, e tornaram-se proprietários agropecuários. Neste sentido, vejamos (Gn 4, 1-8):

    “O homem conheceu Eva, sua mulher; ela concebeu e deu à luz Caim (…) Depois ela deu também à Abel, irmão de Caim. Abel tornou-se pastor de ovelhas e Caim cultivava o solo. Passado o tempo, Caim apresentou produtos do solo em oferta a Iahweh; Abel por sua vez, também ofereceu as primícias e as gorduras do seu rebanho. Ora, Iahweh agradou-se de Abel e de sua oferenda. Mas não se agradou de Caim e de sua oferenda, e Caim ficou muito irritado e com o rosto abatido (…) Entretanto Caim disse a seu irmão Abel: ‘Saiamos’. E, como estavam no campo, Caim se lançou sobre Abel e o matou”.

[1] Cf. Foucault, M., em Microfísica do Poder, p. 7

[2] O termo ”Caim” significa adquirir: vide observações do exegeta, no rodapé da p.52 da Bíblia Ave Maria, referente ao termo Caim citado no Gn 4,1