O mercado regional egípcio (Médio Império) como referência para o estudo da formação do grande mercado global pré-diluviano

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Livro Teoria da História (Art. 6, 1.1. e 1.1.1, p. 39-47) www.tribodossantos.com.br

   Na era pré-diluviana, a civilização surgiu no Egito e na Mesopotâmia, onde teve início o comércio, e já após o começo do quarto milênio desenvolveram-se, respectivamente, dois grandes mercados macro-regionais[1]. Na Msopotâmia, a evolução da civilização e a expansão do mercado sofriam frequentes interrupções, provocadas pelas invasões de hordas famintas de nômades das montanhas e desertos circundantes. Ao contrário disto, a civilização e o mercado macro-regional egípcio passaram por sucessivas etapas de expansão e complexidade, favorecido pela sua situação geográfica, que fornecia proteções naturais[2].
Por volta de 3400 a.C., o grande mercado macro-regional egípcio já estava bem constituído. Isto é, no Egito Pré-dinástico recente, período este chamado também de Época pré-tinita. Neste período, o mercado egípcio (o primeiro Lamec, cf. Gn 4, 19) se encontrava dividido de modo bipolar, em dois grandes reinos, que o autor da Teoria da História representou na figura de um homem bígamo:  Lamec-Ada versus Lamec-Sela. O reino do Sul (Sela), no Vale ou Alto Egito, encontrava-se sob a hegemonia dos reis de Hieracômpolis, em egípcio Nekhen, Reis estes conhecidos pelos textos como o lugar de origem das Almas de Nekhen, que são os reis do Sul divinizados. O reino do Norte (Ada), no Delta ou Baixo Egito encontrava-se sob a hegemonia dos reis de Buto, chamados Almas de Pê (= Buto).[3]
O mercado macro-regional egípcio bipolarizado foi reunido sob comando central único, através de Menés, que fundou a Primeira Dinastia, cuja capital se estabeleceu na cidade de Tinis. Tal mercado prosseguiu sua expansão (e complexidade) sincrônica e diacrônica, sem interrupção durante toda a época correspondente às seis primeiras dinastias, ou seja, seis sucessivas escalas imperiais de expansão do grande mercado: I Dinastia (Set), II Dinastia (Enos), III Dinastia (Cainan), IV Dinastia (Malaleel), V Dinastia (Jared), VI Dinastia (Henoc). Época esta conhecida pelo nome de Antigo Império (aproximadamente do ano 3200 a 2300 a.C.).
O Autor da Teoria da História nomeou de “Matusalém, o período que se seguiu à Sexta Dinastia, cuja capital estava estabelecida em Menfis. O preíodo “Matusalém” é chamado de Primeiro Período Intermediário e mais apropriadamente de Idade Feudal Egípcia, cujo modelo de formação social fora caracterizado pela acentuada queda do comércio, da indústria e da cultura, pela anarquia, pela fragmentação do poder central, pelo aumento do poder dos nobres e do clero. Nesse período ocorreram invasões de tribos negróides e asiáticas. A Idade Feudal Egípcia durou aproximadamente de 2300 a 2000 a.C.

   O modelo feudal de formação social tornou-se mais complexo e engendrou, cerca do ano 2000 a.C., por dentro de si mesmo, o recrudescimento do comércio. Assim, ocorreu o aparecimento da XI Dinastia e o grande mercado macro-regional egípcio retomou seu processo de expansão, tanto diacrônica como sincrônica. Então, este grande mercado se articulou, na era pré-diluviana, com todos os outros mercados macro-regionais circunvizinhos existentes, cujo conjunto em rede formara o primeiro grande mercado global da civilização humana.[4] E, teve início a fase da história egípcia conhecida como Médio Império, que se estendeu até aproximadamente 1788 a.C. Com o fim da XII Dinastia.
O Egito entrou em outra era de caos interno e invasões estrangeiras, que durou mais de dois séculos, cerca de 1788 a 1580 a.C.[5] Este período de caos é chamado de Segundo período intermediário, e se estendeu à rede constituída por todos os demais mercados macro-regionais circunvizinhos, que existiam no mundo civilizado daquela época. Rede de mercados macro-regionais esta que constituía o grande mercado global, ou seja, todo o mundo civilizado de então. Esse período relativamente longo de depressão econômica grave e irreversível foi representado, por antigos pensadores pré-diluvianos, no símbolo “Noé”, na genealogia de Adão (Cf. Gn 5, 28-32; 6, 8 +, 7, 1+; 8, 1+; 9, 1+; 10, 1+). Uma grave e prolongada convulsão social ocorrera. Essa fase de crise mais aguda da dessa depressão econômica acompanhara  o grande mercado global até a sua extinção. Convulsão esta decorrente, por um aspecto, da comparativamente grande e insuportável concentração populacional em torno e dentro das cidades, antes propiciada pelo grande mercado global, mas agora prejudicada pelo grave e longo período da depressão “Noé”. Tal crise fora representada no signo dilúvio (= II Período Intermediário), no livro Gênese (Gn 6, 11-8, 14).

   O Primeiro Período Intermediário ou primeiro modelo feudal de formação social ocorrido na história da humanidade (no Antigo Egito) foi representado com o símbolo “Matusalém” (Cf. Gn 5, 21). O Segundo Período Intermediário foi representado no símbolo “dilúvio” (cf. Gn 6, 17). E, o primeiro grande mercado global foi representado no símbolo “Lamec” (o segundo Lamec: cf. Gn 5, 25). No final deste capítulo e mais precisamente no capítulo seguinte, focalizaremos os símbolos empregados pelo autor da Teoria da História, concernentes às demais etapas do processo geral de expansão do Grande Mercado.

   Além do já existente grande mercado macro-regional mesopotâmico, gradativamente outros grandes mercados macro-regionais se desenvolviam paralelamente ao processo geral de expansão do grande mercado macro-regional egípcio, ao longo do período que se estendeu da Primeira Dinastia até a formação do grande mercado global, que incluía o Médio Império. Todos esses mercados macro-regionais gradativamente iam se articulando entre si, integrando o processo que culminou com a formação do grande mercado global pré-diluviano. Esta articulação se tornou plenamente constituída, sobremodo durante o período de vigência do Médio Império Egípcio.

   Os dois grandes mercados macro-regionais que se desenvolveram, nas duas áreas mais favorecidas geograficamente da região chamadas Crescente Fértil ou Meia-lua Fértil, foram notoriamente o do Egito, no vale do rio Nilo, e o da Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates e nos seus arredores. Entretanto, estabelecemos o período de vigência do Médio Império Egípcio, transcorrido aproximadamente de 2100 a 1788, como referência para o período aproximado de vigência, também, do grande mercado global[6]. Desse modo, podemos identificar cinco dos outros grandes mercados macro-regionais que se desenvolveram gradativamente e que se integraram ao mercado macro-regional egípcio e ao mesopotâmico, na constituição do grande mercado global pré-diluviano. Durante o período acima indicado, havia, portanto, sete principais grandes mercados macro-regionais, os quais compunham o grande mercado global. Eis os cincos outros principais mercados macro-regionais que se desenvolveram: o elamita; o egeu; o hitita; aquele formado pelas cidades da Fenícia, da Síria e de Canaã; e aquele formado pelas cidades Mohenjo-dara ou Mohendj Daro, Harapa, Chanhu-dara e Lore, na bacia do rio Indo.

   Queremos ressalvar que cada um dos sete mercados macro-regionais acima indicados apresenta seus respectivos pontos de confluência, com outros mercados macro-regionais, na articulação total do grande mercado global. Isto vai ser demonstrado logo adiante: à medida que apresentarmos a relação dos referidos sete mercados macro-regionais, vamos também deixar sublinhado seus respectivos pontos de confluência.

   Não foi arbitrariamente que apontamos o período de vigência e o Médio Império Egípcio, como referências da existência de um grande mercado global na era pré-diluviana, objetivando identificar os outros mercados macro-regionais integrantes dessa globalização. Queremos destacar três motivos que nos levaram a estabelecer essas referências como critério.

  1. Sabemos que o grande mercado global pós-diluviano (contemporâneo) foi engendrado a partir e por dentro do processo de complexidade do modelo de formação social feudal e respectivo modo de produção, que houvera se estabelecido na Europa Ocidental. Situação análoga ocorrera na era pré-diluviana. Pois, um grande mercado global envolveu todo o mundo civilizado dessa era, o qual foi engendrado a partir e por dentro do processo de complexidade do tipo feudal de formação social e respectivo modo de produção. Formação social esta chamada de Primeiro Período Intermediário, e mais precisamente de Idade Feudal Egípcia, e que houvera se estabelecido no Antigo Egito cerca de 2300 a 2000 a.C., ou seja, após a queda da Sexta Dinastia e do respectivo Antigo Império.
  2. Verificamos as datas aproximadas disponíveis de cada um dos sete mercados macro-regionais, em que notamos ter ocorrido a incrementação da produção em larga escala e do comércio, notadamente o exterior, para o qual grande parcela dessa produção se destinava. Constatamos que todas essas datas coincidem entre si, e que no Médio Império Egípcio esse incremento ocorreu entre 2100 e 2000 a.C. À proporção em que mais adiante formos apresentando a relação dos sete mercados macro-regionais que compuseram o grande mercado global, vamos também pondo em evidência (sublinhando) essas datas coincidentes.
  3. Verificamos e constatamos que quase todos esses sete mercados macro-regionais entraram em depressão e foram desmantelados, em datas aproximadas entre si, e que no Médio Império Egípcio essa prolongada e grave depressão culminou com o seu esfacelamento ocorrido a partir de 1788 e que durou até 1580 a.C., isto é, mais de dois séculos.

1.1. O mercado regional egípcio no contexto do mercado global pré-diluviano

   É digno de nota distinguir as características do mercado macro-regional relativo ao Médio Império Egípcio, em referência ao precedente Antigo Império. Neste, eram os nobres e os sacerdotes que detinham a supremacia entre todos os súditos. Mas, no Médio Império, quando este integrou o grande mercado global, passou a apresentar as características de uma civilização exacerbadamente mercantil. Então, ele incrementou a indústria em larga escala, igualmente como ocorrera na ilha de Creta (Civilização egéia), conforme Burns observa: “Indústria em larga escala no Egito e em Creta, cerca de 2000 a.C (o grifo é nosso)”[7]. Indústria em larga escala esta voltada, sobretudo, para o comércio exterior tanto em Creta como no Egito, ambos inseridos no contexto do grande mercado global. Pois, “Foram encontrados objetos cretenses no Egito e outros, de origem egípcia, em Creta. Os relevos, as pinturas, os textos apresentam ou mencionam, egeus ou asiáticos, trazendo para o Egito o produto de seu país”.[8] Ainda se referindo ao Médio Império, diz Burns: “Foi a vez da classe comum. Escribas, mercadores, artífices e servos rebelaram-se contra os nobres e arrebataram concessões do governo. É especialmente digno de nota o papel que mercadores e industriais desempenharam nesse período[9]. Burns acrescenta:[10]

   O processo natural de complexidade intrínseco ao modelo de formação social e respectivo modo de produção feudal egípcio engendrou, no Alto Egito, gradativamente, o recrudescimento do comércio, da manufatura, da cultura, das velhas cidades, e gerou burgos e novas cidades. As classes médias burguesas empreendedoras se desenvolveram nas cidades, e iriam incrementar ainda mais o comércio, a indústria, as finanças e a cultura. Na fase de transição da hegemonia da Idade Feudal egípcia, para a hegemonia do Médio Império, é provável que algum dos seus ideólogos tenha criado e difundido um tipo de racionalização (ideologia) semelhante àquela inventada por Lutero e aprimorada por Calvino: “trabalho por vocação”, a ética protestante, ou seja, o espírito do capitalismo. No Alto Egito, o modelo de formação social mercantil, burguesa e revolucionária se desenvolveu. Ela selecionou uma elite dirigente vigorosa e capaz de servir ao grande mercado, rompendo barreiras comerciais no sentido de expandi-lo ao nível global. Assim, a XI Dinastia que se constituiu em Tebas, rearticulou os mercados regionais do Alto Egito e estendeu esse seu poder de rearticulação sobre o Médio e o Baixo Egito
O sistema econômico dos egípcios repousava principalmente numa base agrária (…) O comércio não teve grande papel até 2000 a.C., mas depois desta data subiu rapidamente a uma importância de primeira plana. Estabeleceu comércio florescente com a ilha de Creta, a Fenícia, a Palestina e a Síria (o grifo é nosso). Os principais artigos de exportação consistiam em trigo, tecidos de linho e cerâmica fina. A importação limitava-se dum modo geral ao ouro, prata, marfim e madeira. A manufatura constituía um ramo de vida econômica de não menos significado que o comércio. Já em 3000 a.C., grandes números de pessoas eram ocupados em atividades industriais, na maior parte em ofícios especializados. Em épocas posteriores estabeleceram-se oficinas que empregavam vinte ou mais pessoas sob o mesmo teto e com certo grau de divisão de trabalho. As indústrias principais eram a cantaria, a construção de navios e a manufatura de cerâmica, vidro e tecidos (…) Desde épocas remotas os egípcios tinham feito progresso no aperfeiçoamento das técnicas de comércio. Conheciam elementos de contabilidade e da escrituração. Seus mercadores emitiam pedidos e recibos de mercadorias. Inventaram a escritura de propriedade, o contrato escrito e o testamento (…) chegaram a ter um padrão monetário. Argolas de cobre e de ouro, de peso fixo, circulavam como meio de troca”.
Aymard e Auboyer apontam para o mesmo sentido, acima indicado por Burns:[11]

   “Só o rei, enfim, possuía os meios materiais deste comércio, navios aptos a navegar no’ Grande verde’ e construídos com madeiras estrangeiras, bem como escoltas militares para a proteção das caravanas ao longo das rotas dos desertos (…) Tratava-se de adquirir madeira nos portos da Fenícia. O principal destes portos era Biblos, cujas ligações com o Egito remontavam aos inícios da história, e que muitas vezes nos oferece, mesmo quando sua independência real está preservada, a aparência de um principado vassalo: a troca de mercadorias assumia o aspecto, nas narrativas egípcias da entrega de tributos seguida pela de presentes. Lá eram obtidas as vigas de madeira; lá eram, também, construídos os navios, o que facilitava o transporte. Em compensação, o faraó enviava objetos de arte, metais preciosos, produtos bastante variados. Assim, um conto representa, no começo do século XI a C., um acordo conseguido após laboriosas negociações por um enviado de Herihor, grão sacerdote de Amon e logo depois do rei, para a troca de peças de madeira destinadas ao santuário de Carnac, por objetos de ourivesaria, peças de tecido de linho, 500 rolos de papiro, 500 peles de boi, 525 sacos de lentilha, 30 medidas de peixe seco, etc.
O Médio Império Egípcio manteve intercâmbio comercial, também, com a Arábia, com a Núbia e possivelmente com a Civilização Elamita, no Golfo Pérsico, e mesmo com a civilização que se desenvolvera na bacia do rio Indo, cuja principal cidade fora Mohenjo-daro. Neste sentido, Aimard e Auboyer acrescentam:[12]

   “Outra região de troca era a Arábia. Os navios ganhavam o Mar Vermelho pelos braços do Delta oriental e por um canal que permitia atingir os lagos de Amer, e, portanto, o Golfo de Suez: sempre que a monarquia se sentiu forte, tratou de restaurar este canal, eternamente ameaçado de ser coberto pela areia. Por vezes uma expedição atravessava o deserto arábico partindo da região de Tebas e encontrava a frota na costa. Em seguida procurava-se, na Arábia, na região de ‘Put’, e talvez mesmo ainda mais longe, no Golfo Pérsico e nas bocas do Indo, os maravilhosos produtos do oriente longínquo, as gemas preciosas, as essências, os perfumes (…) Muitas outras expedições, menos célebres ou menos felizes, dirigiam-se à mesma região ou à Núbia (o grifo é nosso).

   Outras características foram notadas no Médio Império, peculiares a uma economia em que se apresenta o grande mercado global, a exemplo daquele (Idade Moderna e respectivo mercado global) que se desenvolveu a partir da Europa Ocidental, engendrado por dentro do regime feudal, e que vigora até hoje. O individualismo atingiu sua maior plenitude e a intelligentsia daquela época inculcava nos indivíduos a crença exacerbada na vida após a morte.[13] Como sempre ocorre, isto consiste na estratégia ideológica operada pela intelligentsia a fim de alienar e desviar a atenção dos indivíduos em relação à realidade existente, cujas injustiças e violentas contradições sociais se acirram em razão da sociedade se encontrar plenamente submetida à instituição do mercado, e este tendo alcançado seu limite de expansão e plena autonomia, ou seja, a escala global. O ceticismo, o pessimismo e a desilusão foram características predominantes do Médio Império. Neste contexto, o aspecto “democrático” foi mais outra característica marcante que se apresentou, concedido pelos faraós da XII Dinastia, e empregado como meio de controle social.[14]

[1] Burns, E. M. História da Civilização Ocidental, p. 44.

[2] Idem, p. 37. Cf. Aymard, A e Auboyer, J. História Geral das Civilizações, Tomo I, 1º Volume, 6ª edição, p. 19.

[3] Leveque, P. As Primeiras Civilizações – Volume I – Os Impérios do Bronze, Edições 70, Lisboa,1987, p. 102-103, 108.

[4] http://tribodossantos.com.br/pdf/Teoria%20da%20Hist%C3%B3ria%20-%20introdu%C3%A7%C3%A3o.pdf

[5] Cf. Burns, E. M. História da Civilização Ocidental, p. 45, 47-48.

[6] Idem, p. 43, Burns lembra-nos que “… não devemos esquecer que todas as datas anteriores ao ano 2000 são, em larga escala, matéria de simples conjectura”.

[7] Idem, p. 40.

[8] Aymard, A e Auboyer, F. História Geral das Civilizações, Tomo I, 1º Volume, p. 46.

[9] Burns, E. M. História da Civilização Ocidental, p. 68-69.

[10] Idem, p. 70-71.

[11] Aymard, A. e Auboyer, J. História Geral das Civilizações, Tomo I, 1º Volume, p.45-46.

[12] Idem, p. 46.

[13] Burns, E. M. História da Civilização Ocidental, p. 52-53.

[14] Idem, p. 48.