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Jesus e Kosik na aplicação do caminho ou método analítico (Art. 14, 4.1.; P. 76-80)
Livro O Templo – Resgate do sentido original da doutrina de Jesus: http://tribodossantos.com.br/pdf/O%20Templo%20-20introdu%C3%A7%C3%A3o.pdf
4.1. O caminho, détour ou método analítico na perspectiva de Kosik, K.
Vimos (Art. 9, 3.1., p.57-60) que o Mestre notara que o indivíduo se vê como um todo. Mas, o método ou “caminho” empregado, ordinariamente, para conhecer a si mesmo, enquanto um sujeito todo estruturado interagindo no meio, e entender o contexto da realidade em que vive, é estrito e produz uma “caótica representação desse todo”. Ou seja, esse caminho estrito não representa a realidade como uma “rica totalidade da multiplicidade de fatores, das respectivas determinações e das relações entre estas”. O Mestre ensinou, então, outro caminho ou “détour” (desvio) ao indivíduo, para este conhecer e entender, verdadeiramente, a realidade. Ou seja, ele ensinou o caminho ou método – analítico – que o indivíduo deve percorrer, consciente e diligentemente, no pensamento abstrato próprio do campo subjetivo da conduta deste, até reelaborar sua compreensão verdadeira acerca da realidade. Porém, realidade reelaborada, agora, como “uma rica totalidade da multiplicidade das determinações e das relações” nela existentes.
Kosik empregou terminologia científica, para expor procedimento analítico assemelhado ao que o Mestre expusera na sua época e contexto cultural, utilizando terminologia própria desta época. O referido autor pegou emprestado aos ditos do Jesus Histórico, e empregou, também metaforicamente, a noção de “caminho” no lugar de “sequência de procedimentos metodológicos”. Ele pegou emprestado, ainda, a noção de “verdade”.[1]
“Como as coisas não se mostram ao homem diretamente tal qual são e como o homem não tem a faculdade de ver as coisas diretamente na sua essência, a humanidade faz um détour para conhecer as coisas e a sua estrutura. Justamente porque tal détour é o único caminho acessível ao homem para chegar à verdade, periodicamente a humanidade tenta poupar-se o trabalho desse desvio e procura observar diretamente a essência das coisas (o misticismo é justamente a impaciência do indivíduo em conhecer a verdade). Com isso corre o perigo de perder-se ou ficar no meio do caminho, enquanto percorrer tal desvio” (os grifos em negrito são nossos).
No sentido apontado anteriormente, o Filho do Homem se referiu ao método (caminho) que aplicava, cotidianamente, na sua práxis revolucionária, nomeando-o de “o caminho”. O qual tanto procede como leva ao “reino dos céus ou conhecimento” ou “reino do Pai”. Notem que mesmo as suas principais lideranças, ainda não haviam entendido bem: nem o conteúdo teórico (palavras, ditos, doutrina, etc.) ensinado pelo Mestre; nem o respectivo significado pedagógico do exemplo da conduta exposta por este; e tão pouco a grande dimensão da importância desse caminho revolucionário. Ou seja, o caminho (détour) do conhecimento amplo e verdadeiro acerca da realidade. O qual consiste no caminho da libertação, e no caminho da salvação (cf. Jo 3, 17-21). Pois, tal caminho propicia ao indivíduo, por um lado, sair do estado de “morte” (alienação) e de submissão ideológica em que é mantido pelos ideólogos hegemônicos. Em outros termos, o caminho em tela (détour) abre a possibilidade de o indivíduo nascer de novo (cf. Jo 3, 3-8). E, por outro lado, propicia desenvolver a condição de “arvore da vida”, isto é, autoconhecimento, capacidade de autodiligência e consciência social crítica e transformadora:
“E vós conheceis o caminho para ir aonde vou. Disse-lhe Tomé: ‘Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho?’ Jesus lhe respondeu: ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim (o grifo é nosso). Se me conhecêsseis, também certamente conheceríeis meu Pai; desde agora já o conheceis, pois o tendes visto’. ‘Senhor, disse-lhe Felipe, mostra-nos o Pai e isto nos basta’. Respondeu Jesus: ‘há tanto tempo que estou convosco, e não me conheceste, Felipe! Não credes que estou no Pai, e que o Pai está em mim? As palavras que vos digo não as digo de mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, é que realiza as suas próprias obras. Crede-me ao menos por causa destas obras”. (Jo 14, 4-11)
O Filho do Homem ensinou, reiteradamente, o referido caminho (détour) verdadeiro, através de alguns dos conhecimentos contidos nos seus ditos, palavras, pregações, doutrina ou algo que o valha. Caminho esse que possibilita: acesso ao conhecimento verdadeiro (reino dos céus); liberdade ou livramento tanto das garras ideológicas dos ideólogos hegemônicos como do caminho estrito e do conhecimento caótico; salvação das garras dos sacerdotes que “vêm senão para furtar, matar e destruir”; nascer de novo ou em outros termos, sair do estado de “morto” (alienado) e passar para a “vida” (desenvolver autoconhecimento, capacidade de autodiligência e consciência social crítica e transformadora):
“Jesus dizia aos judeus que nele creram: ‘Se permanecerdes na minha palavra, sereis meus verdadeiros discípulos; conhecereis a verdade e a verdade vos salvará” (Jo 8, 32); “Em verdade, em verdade vos digo, se alguém guardar a minha palavra, não verá jamais a morte” (Jo 8, 51) “Eu sou a porta: se alguém entrar por mim, será salvo (…) o ladrão não vem senão para furtar, matar e destruir. Eu vim para que as ovelhas tenham a vida e para que a tenha em abundância” (Jo 10, 19-a-10); “Se alguém ouve a minha palavra e não a guarda, eu não o condenarei, porque não vim para condenar o mundo, vim para salvá-lo (todos os grifos em negrito são nossos)” (Jo 12, 47).
[1]. Kosik, Karel. Dialética do concreto. Trad. de Célia Neves e Alderico Toríbio, Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1969, p. 21.