Epístola satânica de Paulo o Anticristo (pré-texto)

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  1. O conflito enfocado por um contexto mais amplo (pré-texto) (Art. 3º)

A Segunda Epístola aos Coríntios foi escrita, provavelmente, no verão do ano 57, estando Paulo o Anticristo na Macedônia.[1] A igreja de Corinto fora a destinatária. Nela, a problemática consistia em estar dividida entre o discurso falseado, mas poderosamente sedutor a ela dirigido por Paulo o Anticristo e seus asseclas, e, o discurso verdadeiro e também convincente a ela dirigido pelos notáveis e verdadeiros Apóstolos do Filho de Deus. Acontecia, entretanto, que esse conflito ocorria, também, em outras igrejas, conforme Mazzarolo nos esclarece:[2]

…a cabeça de Paulo, Lucas e outros apóstolos dos gentios divergiam dos notáveis da Palestina, e estas divergências ocasionaram muitas discussões”.

O contexto social, econômico e político mais amplo estavam marcados pelo fato das elites dirigentes de Roma oprimirem e cobrarem pesados impostos a todos os povos, que elas  subjugavam.[3] As elites políticas, econômicas e intelectuais de cada cidade-estado dominada por Roma, aliavam-se às de Roma, na dominação e exploração dos membros mais fracos e pobres das respectivas nações.[4] Em cada nação, havia, portanto, seus respectivos grupos fechados de ideólogos hegemônicos (sacerdotes; filósofos; hierofantes, magos, místicos, etc.) já estabelecidos como mestres e/ou em instituições culturais hierarquizadas. Ideólogos estes aliados tanto às elites políticas locais como às romanas. Estes Ideólogos dominavam os seus fiéis seguidores, através de poderosos discursos sedutores embora falseados, e assim exploravam economicamente esses povos. Pois, tais ideólogos já estabelecidos inculcavam, através de suas doutrinas, visões conformistas de mundo, para facilitar a dominação e a exploração econômica sobre os indivíduos do povo. Dominação e exploração estas que os ideólogos faziam, articuladamente, aliados as respectivas elites políticas e econômicas.

Outros grupos de ideólogos ainda não estavam estabelecidos. Estes elaboravam novas doutrinas sedutoras poderosas embora falseadas, com o objetivo de montares, também, seus próprios negócios, isto é, novas instituições culturais (comunidades religiosas, filosóficas, etc.), estruturadas hierarquicamente. Desse modo, tais ideólogos visavam tirar seus sustentos e se elitizarem. Na Palestina, os ideólogos elitistas ou hegemônicos se apresentavam como sacerdotes, mestres e sábios (fariseus, saduceus e escribas).

O Jesus Histórico houvera ensinado sua doutrina às lideranças que preparava, com o objetivo de estabelecer uma base ou “quartel general” em Jerusalém, e desta base enviá-las para todas as nações (cf. Mt 28, 18-20; Jo 17, 18; At 19-21). A missão era dar, mesmo sob perseguição sistemática, continuidade e expandir o revolucionário modelo de formação social igualitário, horizontal, fraternal e radicalmente pacifista, que o Mestre preparara e desencadeara, para seus fiéis seguidores. Este movimento social revolucionário era caracterizado, entre outros aspectos, pela promoção de desconcentração e desacumulação de riquezas nas mãos de poucos. Nesta direção, o Jesus histórico aconselhava que os ricos vendessem seus bens e dessem-nos aos pobres, como condição sem a qual não poderiam segui-lo nem adentrar no “reino dos céus” (práxis revolucionária e libertadora do próprio indivíduo) (cf. Mt 19, 21).

O Mestre praticou e ensinou a estratégia que consistia em combater, em primeiro lugar, os ideólogos hegemônicos ou já elitizados, e aqueles ainda não estabelecidos, mas que atuassem neste sentido (cf. Mt 21, 12s; 22; 23). Os discípulos do Mestre deveriam combater, entretanto, através de conduta coerente com a doutrina que lhes era ensinada, mais especificamente, combatê-los de modo pacífico. Jesus considerava os intelectuais elitistas, como os opositores mais perigosos, em relação ao próprio Jesus e aos seguidores deste, ao Pai, e aos indivíduos em geral, e em particular aos indivíduos pobres. Isto porque, os ideólogos hegemônicos são poderosamente sutis, dissimuladores, enganadores e sedutores.

A estratégia ensinada pelo Filho do Homem, consistia em desmascarar os ideólogos elitistas diante dos fiéis destes. Desse modo, ele revelava a esses fiéis: os verdadeiros e escusos interesses materiais desses sacerdotes (subtraírem valores dos fiéis para se sustentarem sem terem de trabalhar); a natureza hipócrita como característica própria da conduta do papel social de sacerdote hegemônico, conduta esta motivada por um interior subjetivo odioso e egoístico; as mentiras e falseamentos contidos nos discursos e “fermentos” (doutrinas) elaborados e ensinados por esse tipo de ideólogo.

Jesus sabia que os ideólogos elitistas moldavam as condutas dos fiéis e mobilizavam-nos, com o objetivo de manterem o modelo vigente de estrutura social. Ou seja, estrutura social hierarquizada e geradora de grande concentração de riquezas nas mãos de poucos, e ampla miséria ao seu redor. O avanço do movimento liderado pelo Jesus Histórico (ainda vivo), já preocupava as perversas e desonestas elites ideológicas do Sinédrio. Estas elites receavam perder a dominação ideológica, que detinha sobre o povo, diante dos argumentos, desmascaramentos, acusações e denúncias feitas por Jesus a respeito das referidas elites. Pois, se os ideólogos hegemônicos perdessem a capacidade de dominação ideológica que detinham sobre o povo, os romanos os tirariam do poder e dos respectivos desfrutos e prerrogativas econômicas, que o poder lhes propiciava. Nesta direção, João observou:

Depois os principais dos sacerdotes e os fariseus formaram conselho, e diziam: Que faremos? Porquanto este homem faz muitos sinais? Se o deixarmos assim, todos crerão nele, e virão os romanos, e tirar-nos-ão o nosso lugar e a nação”. (Jo 11, 47-48).

Após os sacerdotes haverem planejado e obtido a morte do Filho de Deus, os verdadeiros e santos Apóstolos lideraram e implementaram, em Jerusalém, a concretização de uma comunidade estruturada de modo igualitário. Ou seja, os genuínos Apóstolos desenvolveram a cristalização do modelo de formação social igualitário, horizontal, fraternal e radicalmente pacifista. O qual visava, também, desacumular e desconcentrar riquezas nas mãos de poucos (cf. At 2, 45; 4, 32-37), conforme o Jesus Histórico houvera recomendado aos seus discípulos, no evento do “jovem rico”, o qual não quis se desfazer de sua riqueza, para seguir Jesus (cf. Mt 19, 20-24).

Em Jerusalém, o movimento social da comunidade igualitária e horizontal liderada pelos verdadeiros Apóstolos, já agregava uma parcela significativa da população. Esse movimento social expandia-se nessa cidade e arredores, e avançavas para as nações circunvizinhas, tanto nos limites do Império Romano como para além destes limites. No mesmo período em que Paulo o Anticristo escrevera II Coríntios (verão de 57), João, Tiago o Menor, Judas Tadeu, Pedro e outros Apóstolos estavam, ainda vivos e atuantes.[5] A revolução comunista fraternal era desacumuladora e desconcentradora de riquezas, e tinha, então, a base ou “quartel general” em Jerusalém, e mantinha, ainda, o seu vigor expansivo. Dessa base, os verdadeiros Apóstolos deslocavam-se ou enviavam representantes (cf. At 8, 4), com o objetivo de avançarem com a revolução para as diversas cidades subjugadas ao Império Romano, inclusive Corinto. Onde o quadro social, econômico e político não era muito diferente daquele de Jerusalém, sobremodo para os seguimentos pobres da população daquela cidade.

No contexto acima focalizado, todos os grupos de ideólogos elitistas já estabelecidos, ou que atuassem com o objetivo de institucionalizar, uma comunidade de natureza cultural (religiosa, filosófica, etc.) estruturada de modo hierarquizado, atuavam em dois sentidos. Por um lado esses grupos concorriam entre si, pelos valores a serem subtraídos dos seguidores que arrebanhassem. Por outro lado, eles combatiam em diversas frentes e com diferentes estratégias, o avanço do movimento igualitário liderado pelos Santos de Jerusalém. Pois, tais ideólogos visavam se posicionar no ápice da hierarquia, e enriquecerem.

A perseguição empreendida pela elite sacerdotal judaica, contra as lideranças e os fiéis da igreja de Jerusalém, consistiu num exemplo do método de combate frontal e por extermínio (cf. At 4, 1s; 5, 17-18; 6, 8-11; 7, 57-60), que Saulo de Tarso houvera, também, experimentado. A despeito do tipo de combate por extermínio, a revolução igualitária e horizontal continuava avançando, e obtendo conversões e adesões mesmo de muitos sacerdotes judeus (cf. At 6, 7). Isto mostrou a evidência da ineficácia do referido método, e deixou as elites do Sinédrio desorientadas. A estratégia mais eficaz e engenhosa foi, entretanto, elaborada por Gamaliel, mestre e verdadeiro senhor (mentor) do seu fiel discípulo, Paulo de Tarso o Anticristo (cf. At 22, 3-4). O qual seguiu, fervorosamente, a orientação do seu mestre, aprimorou-a e aplicou-a contra os verdadeiros Apóstolos e demais seguidores e simpatizantes de Jesus. Paulo de Tarso o Anticristo era sacerdote noviço e fanático da religião dos fariseus (cf. At 23, 6; 26, 5). Paulo o Anticristo e o mestre Gamaliel eram sacerdotes fariseus.

Gamaliel era mestre, doutor da lei e um respeitado e sagaz membro entre as lideranças do Sinédrio, isto é, o Grande Conselho dos judeus (cf. At 5, 34). O mestre Gamaliel percebera que a estratégia de combate por extermínio dos fiéis seguidores do Filho de Deus, não continha o avanço da comuna de Jerusalém. Mas, contribuía para esse avanço. Porque o fiel seguidor de Jesus concebia ser uma grande Glória morrer – movido por intenso amor ao próximo e a Deus -, a exemplo do Filho de Deus, em decorrência de estar lutando em dois sentidos:

  1. Contra os sacerdotes, com o objetivo de ajudar a libertar outros indivíduos, os quais os sacerdotes submetiam, ideologicamente, e mantinham-nos alienados e explorados economicamente;
  2. Lutar para transformar o modelo de formação social então vigente: hierarquizado, injusto, extremamente violento, hipócrita, etc. Mas, transformá-lo para o modelo igualitário, horizontal justo, fraternal e radicalmente pacifista.

Enfim, os genuínos e fiéis seguidores de Jesus, tinham a ideia de Glória voltada para duas vertentes: A – Eles se sentiam glorificados por morrer lutando pelo ideal mais sublime; B – Este procedimento consistia no mais sublime modo de um indivíduo glorificar a Deus. Esses aspectos da noção de glória consistem no conceito de holocausto ou sacrifício perpétuo.

O mestre e verdadeiro senhor de Paulo o Anticristo propôs, astutamente, aos demais membros do Grande Conselho, uma nova estratégia ideológica de combate aos fiéis seguidores do Filho de Deus. Ele propôs, por um aspecto, o modo ideológico e não físico de combate, pois o modo físico (extermínio) ficaria a cargo dos romanos, e por outro aspecto, essa estratégia ideológica que eu chamo de “método pacífico de combate aos fiéis seguidores do Filho de Deus”. Os pares de Gamaliel aceitaram a proposta feita por este. Paulo de Tarso o Anticristo aprimorou a estratégia pacífica de combate, e foi o primeiro, o mais hábil e o mais bem sucedido na aplicação desse método de combate ao Filho de Deus e aos seguidores deste.

Paulo de Tarso o Anticristo precisou reduzir o sentido original, e ainda assim negar esse sentido contido na palavra “Gloria” (cf. Rm 3, 21-27). Ele procedeu assim, para combater, ideologicamente, os genuínos seguidores e simpatizantes da igreja igualitária e horizontal de Jerusalém, liderada pelos verdadeiros Apóstolos. O Anticristo inventou uma ideia falsa relativa ao verdadeiro sentido que Jesus atribuía à palavra “Glória”. Ou seja, Paulo o Anticristo forjou e passou a divulgar a falsa ideia de que todos estão privados da Glória e são justificados, gratuitamente, pela fé passiva e alienada à palavra “Cristo”. Palavra esta vazia, sofisticadamente, de conteúdo:

Com efeito, todos pecaram e todos estão privados da glória de Deus, e são justificados gratuitamente por sua graça: tal é a obra da redenção realizada em Jesus Cristo (…) e justificado aquele que tem fé em Jesus” (Rm 3, 23-24, 26-b).

De acordo com as falsas ideias relativas à noção de Glória, inventadas por Paulo de Tarso o Anticristo, o indivíduo-ovelha poderia se manter, masoquistamente, alienado e submisso ideologicamente, aos sacerdotes, e explorados economicamente por estes. E, não lutar para se libertar deste estado alienado ou “mortal” (alienado) de conduta individual, nem atuar, consequentemente, no sentido de libertar outros indivíduos desse estado “mortal” e das cadeias ideológicas criadas e administradas pelos ideólogos hegemônicos. Desse modo, as falsas ideias inventadas pelo Anticristo são, diametralmente, contrárias às ideias revolucionárias e voltadas para a libertação do indivíduo do jugo em que os sacerdotes o mantém, ideologicamente.

Ora, a fé “em Jesus”, ou melhor, a fé proposta por Paulo o Anticristo, serve para moldar, no indivíduo, o estado de alienação e submissão ao ideólogo. Estado de alienação este que é rotulado, pelo Anticristo, de “justificado gratuitamente”, “justificado pela fé” ou de “estado de graça”. A palavra “Cristo” na sentença “fé em Cristo” proposta pelo Anticristo é mero sofisma, é uma palavra vazia, e conduz, sutilmente, o indivíduo a acreditar e a ter fé não em tudo de real que o revolucionário Jesus Histórico representou, ainda representa e propõe. Mas, conduz, sutilmente, o indivíduo a se submeter, ideologicamente, e a ter fé no Anticristo e/ou nos seus herdeiros, isto é, os sacerdotes e teólogos pseudocrístãos de todas as épocas, lugares e respectivas denominações religiosas. Assim, estando o indivíduo submisso, ideologicamente, então, o Anticristo ou seus herdeiros passam a inculcar, nesse indivíduo, outras ideias falsas a respeito do Jesus Histórico e dos verdadeiros Apóstolos deste.
Ademais, Paulo o Anticristo propôs a aliança e subserviência do seu grupo de ideólogos às elites políticas, econômicas e jurídicas do Império. Isto, em diametral oposição às diretrizes pastorais propostas pelo Filho de Deus. Vejamos, primeiramente, os termos mentirosos e descarados nos quais o Anticristo propusera tal aliança, às famigeradas elites tanto do sanguinário Império Romano como das cidades subordinadas àquelas elites . Depois, vejamos, também, os termos revolucionários propostos pelo Filho de Deus, contra os quais o Anticristo se opunha radicalmente:

Cada qual seja submisso às autoridades constituídas. Porque não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram instituídas por Deus. Assim, aquele que resiste à autoridade opõe-se à ordem estabelecida por Deus; e os que a ela se opõem atraem sobre si a condenação. Em verdade, as autoridades inspiram temor, não porém a quem pratica o bem, e sim a quem faz o mal! Queres não ter o que temer a autoridade? Faze o bem e terás o seu louvor. Porque ela é instrumento de Deus para teu bem. Mas se fizeres o mal, teme, porque não é sem razão que leva a espada: é ministro de Deus para fazer justiça e para exercer a ira contra aqueles que praticam o mal. Portanto, é necessário submeter-se, não somente por temor do castigo, mas também por dever de consciência. É também por esta razão que pagais os impostos, pois os magistrados são ministros de Deus, quando exercem pontualmente este ofício. Pagai a cada um o que lhe compete: o imposto a quem deveis o imposto; o tributo a quem deveis o tributo; o temor e o respeito, a quem deveis temor e respeito”. (Rm 13, 1-7)

O Mestre edificara o revolucionário movimento social libertador, que desencadeara, precisamente no indivíduo dotado da conduta autoconsciente, autodiligente e com consciência social crítica e transformadora. E, exaltara e propusera a quem o quisesse seguir, um tipo de conduta individual diametralmente oposta ao estado de “morte” (alienação) que Paulo o Anticristo rotula de “justificado pela fé”, “Justificado gratuitamente” ou “estado de graça”. Ou seja, Jesus enunciara e exaltara entre as “conduta individuais bem-aventuradas”, as seguintes propostas de conduta fraternais, pacifistas, mas revolucionária, para quem quisesse segui-lo:

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados!

     Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia!

     Bem-aventurados os corações puros, porque verão a Deus!

     Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus!

     Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus!

     Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós. Vós sois o sal da terra (…) Vós sois a luz do mundo”. (Mt 5, 6-13-a, 14-a).

O modelo de conduta revolucionária exaltada e proposta por Jesus, conforme acima indicado, é diametralmente oposta ao estado de “morte” (alienação), que Jesus chama, metaforicamente, de estado de “morte”. Estado de “morte” este que o Anticristo esconde sob os rótulos de “justificação gratuita” “Justificação pela fé” e “estado de graça”. Pois, os indivíduos em geral têm suas condutas moldadas, de modo alienado ou “mortal”, pelos ideólogos hegemônicos (sacerdotes, filósofos, magos, hierofantes, etc.) das suas respectivas nações. Neste sentido, Jesus se referia, metaforicamente, aos indivíduos em geral, como dotados do tipo “mortal” de conduta, ou seja, o indivíduo é pensado como alienado, ou como uma “peça morta” do sistema ou “engrenagem” social movida pelo Grande Mercado.
Certa ocasião, o Mestre estava em plena campanha de combate aos sacerdotes, para libertar os indivíduos do estado “mortal” ou alienado de conduta individual. Durante essa campanha, ele se deslocava, frequentemente, de uma cidade para outra. Num desses deslocamentos, Jesus se referiu, metaforicamente, aos indivíduos em geral, empregando a noção de “mortos” no lugar de “alienados”, e respondeu a um dos seus discípulos, que lhe pedira para aguardá-lo, pois esse discípulo queria sepultar, primeiramente o seu pai falecido recentemente:

Jesus, porém, disse-lhe: Segue-me, e deixa aos mortos sepulta os seus mortos (o grifo é nosso). E, entrando ele no barco, seus discípulos o seguiram”. (Mt 8, 22-23)

O método pacífico de combate aos fiéis seguidores do Filho de Deus foi implementado por aqueles ideólogos funcionais mais jovens e empreendedores. Os quais aspiravam montar suas próprias comunidades religiosas, estruturadas hierarquicamente. Pois, a possibilidade de ascensão social de um ideólogo era difícil, por dentro das instituições culturais (religiões; escolas filosóficas, etc.) daquela época, em razão do critério de hereditariedade que vigorava, como quadro de acesso aos escalões mais altos da hierarquia, nessas instituições. A estratégia aplicada por esses ideólogos, consistia na aplicação de cinco estratagemas principais, articulados entre si:

  1. Eles se infiltravam, furtivamente, entre os verdadeiros Apóstolos do Filho de Deus, isto é, entre as lideranças da igreja igualitária baseada em Jerusalém;
  2. Com a infiltração acima indicada, os ideólogos visavam conhecer, entre outras coisas, o sistema doutrinário que o Jesus Histórico houvera transmitido aos Verdadeiros Apóstolos.
  3. Tais ideólogos se infiltravam, com a intenção de adulterar invertendo os sentidos dos pontos, que instruíam e davam vigor e destemor aos fiéis seguidores do Filho de Deus. Pontos estes que os motivavam avançar com o movimento de libertação dos indivíduos do jugo sacerdotal e pelo igualitário cristão, pondo em risco a própria vida. Desse modo. Os ideólogos visavam elaborar uma síntese doutrinária, utilizando determinados pontos da genuína de Jesus, e, noções oriundas de outras fontes. Com esta síntese, os ideólogos visavam eliminar e/ou adulterar todos os pontos que contradissessem os interesses materiais próprios dos ideólogos elitistas e dos seus aliados naturais, isto é, as elites políticas e econômicas. Eles visavam neutralizar, também, todos os pontos que instruíssem a concretização da forma igualitária, fraternal e radicalmente pacifista de formação social;
  4. Os ideólogos elitistas se infiltravam e circulavam entre os verdadeiros Apóstolos do Filho do Homem, visando passar, falsamente, por apóstolos do Cristo, a fim de desfrutarem da autoridade, que cada um dos verdadeiros Apóstolos gozava junto aos fiéis e aos simpatizantes do movimento desencadeado pelo Jesus Histórico;
  5. Os ideólogos elitistas ambicionavam ancorar o movimento contra-revolucionário, que estavam desenvolvendo, sobretudo, no forte carisma que o Jesus Histórico (lutador por justiça social e pela libertação dos indivíduos do jugo sacerdotal) deixara inculcado, indelevelmente, nas mentes e lembranças das pessoas. Lembrança esta que se propagava para todos os povos.

Paulo o Anticristo elaborou um amálgama doutrinário maligno, com o qual, ele pretendia criar um modelo de religião fácil e cômoda, e não sujeita às perseguições advindas das lideranças políticas e econômicas do Império. E, que acolhesse tanto os gentios e mesmo judeus da diáspora desinformados como aqueles chamados “da desistência”. Estes são assim chamados, em razão de terem aderido, inicialmente, ao movimento evolucionário liderado pelos genuínos Apóstolos do Filho de Deus, mas depois, desertaram, diante das perseguições. O modelo de religião que o Anticristo pretendia criar, teria de propiciar  o desenvolvimento do tipo de comunidade religiosa estruturada hierarquicamente, e lucrativa para seus líderes, isto e, os sacerdotes. Vários grupos de ideólogos elitistas concorriam com Paulo o Anticristo, no emprego da estratégia de combate “pacífico” contra os genuínos seguidores do Filho de Deus. Esses grupos empregavam, também, o estratagema de infiltração entre os verdadeiros Apóstolos do Cristo, a exemplo dos ideólogos chamados de “cristão judaizantes” (cf. At 15, 1-3), e com objetivos escusos análogos aos de Paulo o Anticristo.[6] Os nicolaídas (cf. Ap 2, 15) atuavam, parece, no mesmo sentido escuso de Paulo o Anticristo e os cristãos judaizantes.[7]

Conclusão, todos os setores das elites em todas as nações sob o domínio do Império Romano e mesmo além deste viam, com pânico, e se sentiam ameaçados, diante da possibilidade do modelo igualitário, horizontal e fraternal de formação social desconcentradora de riqueza avançar sobre eles. Para essas elites, tal ameaça indicava, que elas cairiam do paraíso de privilégios, que os estratos superiores da sociedade lhes proporcionavam.

Desenvolvera-se, portanto, um acordo tácito entre, de um lado, os ideólogos elitistas já estabelecidos ou que estivessem aspirando esta condição, a exemplo de Paulo o Anticristo e seu grupo, e do outro lado, os setores políticos e econômicos das elites dirigentes do Império. Pois, os primeiros combatiam, ideologicamente, os genuínos seguidores do Filho de Deus, os quais lutavam pelo igualitarismo e pela libertação dos indivíduos do jugo dos sacerdotes, enquanto os segundos combatiam-nos, fisicamente, através do extermínio precedido de martírio.

Bibliografia:

JORDI SÁNCHEZ BOSCH. Escritos paulinos – Introdução ao estudo da Bíblia. Volume nº 7, 1ª edição, Editora Ave-Maria, São Paulo, 2002;

ISIDORO MAZZAROLO, Paulo de Tarso – Tópicos de Antropologia Bíblica, 2ª edição, Mazzarolo, Editor, Rio de Janeiro, 2000;

CARLOS FREDERICO SCHLAEPFER; FRANCISCO RODRIGUES OROFINO; ISIDORO MAZZAROLO. A Bíblia: Introdução histórica e literária, Ed. Vozes, Petrópolis, 2002;

Bíblia Sagrada, com notas e um Dicionário Prático da cultura católica, bíblica e geral. Tradução do Padre ANTÔNIO PEREIRA DE FIGUEIREDO, Edição Barsa, Rio de Janeiro, 1971;

[1].  Cf. Bosch, J. S., Escritos Paulinos, p. 203.

[2].  Mazzarolo, Isidoro. Paulo de Tarso – Tópicos de Antropologia Bíblica, p. 148)

[3] . Cf. Schlaepfer, C. F.; Orofino, F. R.; Mazzarolo, I. A Bíblia: introdução histórica e literária, p. 112-116.

[4] . Idem, p. 109-111.

[5] Cf. Bíblia de Jerusalém, p. 2185-2187.

[6].  Cf. Bíblia Sagrada, com notas e um Dicionário Prático da cultura católica, bíblica e geral, p. 151: “Judaizantes. Nome dado aos primeiros cristão que defendiam a tese de que ao lado da nova Lei de Cristo era necessário respeitar as prescrições da Lei mosaica…”.

[7]. Cf. Idem, p. 191: “Nicolaídas: Membros da heresia das cidades de Éferso, Pérgamo, que adulteravam o ensinamento dos Apóstolos sobre a liberdade concedida pelo Evangelho, redundando numa doutrina licenciosa; pelo que João severamente reprovou… Segundo a tradição do século seguinte encontrada nos escritos de Nicolau, um dos sete diáconos, mas nada se sabe com certeza”.